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  • Jaqueline M. Souza

Tema: Sobre o que seu roteiro realmente é?


"Premissa: uma proposição antecedente suposta ou provada; uma base de argumento. Uma proposição declarada ou assumida como levando a uma conclusão. Outros, especialmente os do teatro, tiveram diferentes palavras para a mesma coisa: tema, tese, idéia de raiz, idéia central, objetivo, força motriz, assunto, finalidade, planta-baixa, emoção principal." - Lajos Egri em The Art of Dramatic Writing

Tema é parte do todo que organiza a história e a comunica ao público. A questão que a sua trama explora e debate. Muitas vezes podemos pensar que não são todos os filmes que trabalham com temas, mas observe atentamente, qualquer bom filme, mesmo os mais comerciais e encontrará lá, em graus maiores ou menores de sutileza, uma questão temática sendo explorada. Tema é a unidade que conecta tudo em uma história. Tema é o principio organizador por trás da história, é ele que determina o que deve ser incluso e o que deve ser deixado de fora. É o tema que ajuda no desenvolvimento dos personagens, na escolha dos locais onde a história se passa, na criação de situações que os personagens irão enfrentar, na resolução dos conflitos, etc. Tudo focando em um propósito maior, conseguir criar uma mensagem, um significado para sua trama.

Por incrível que pareça, e mais simples que pareça, tema é o que está ligado de forma mais primitiva a nossa própria necessidade de ouvir e contar histórias. Os primeiros humanos se sentavam ao redor da fogueira para contar histórias, não para matar o tempo, mas para transmitir ensinamentos, morais, para elucubrar significados para os fenômenos que desconheciam.

“Para apreciar a magnitude do tema em um roteiro, você deve entender o poder que a narrativa tem em nossas vidas. Como a vida é muitas vezes frustrante, ilógica e caótica, recorremos a histórias de significado e estrutura. Buscamos respostas e valores universais porque queremos saber como conduzir nossas vidas - como tratar uns aos outros, como amar, como triunfar sobre obstáculos. Também nos voltamos para as histórias porque elas explicam o mundo emocionalmente e não analiticamente. Pode-se dizer, então, que as histórias são nossas metáforas para a vida, nossas plantas para viver e o tema em particular é a verdade específica sobre a experiência humana que o escritor deseja transmitir a uma audiência. É a mensagem, a moral, o significado da sua história, a razão de sua existência além de ganhar dinheiro. O tema é, portanto, o que torna sua história universal e, portanto, emocionalmente significativa.” - Writing for Emotional Impact de Karl Iglesias

Lembre-se que a mente humana é programada para buscar significado. Uma história sem tema ou sem tê-lo bem definido pode ser perigoso, pois o público mesmo inconscientemente busca o significado e pode acabar encontrando um bem diferente do que você gostaria que fosse associado a sua obra. Obviamente, a subjetividade pode fazer com que cada pessoa tenha leituras diferentes da obra, independentemente da sua intenção ao criá-la. Por isso mesmo saber o caminho que se quer trilhar é o melhor durante a criação, evitando que ruídos indesejados cheguem ao público. Mesmo que o tema não seja explicitado, quando bem trabalhado, existem peças o suficiente na obra que deixam subentendida o significado que a obra visa transmitir, uma área do "dilema humano" que o autor escolheu explorar a partir de uma variedade de ângulos possíveis.

Alguns gêneros já trabalham com questões temáticas no coração de suas convenções, como o Western (um personagem dividido entre dois mundos), o Horror (o medo do desconhecido ou do desumano), as tramas de maturação (em geral exploram temáticas de auto descoberta e identidade), etc. Mesmo assim, cada filme aprofunda o tema com especificidades ou aborda-os com uma nova roupagem. Moonlight usa a busca de identidade tradicional dos coming of age para falar das dificuldades das relações afetivas e da descoberta sexual dentro de um recorte racial e gay. Para Moonlight, se descobrir é morrer e renascer diversas vezes, e isso é parte do sistema de imagens que permeia a construção narrativa do filme, seja através do simbolismo da água ou do uso das cartelas divisórias que delimitam os aprendizados e tramas de Little, Chiron e Black. Barry Jenkins e Tarell Alvin McCraney usam os temas base das tramas de maturação para explorar suas próprias questões temáticas dentro disso, criando uma obra pessoal e singular.

O importante é entender que o tema é algo inerente dx autorx e se comunica diretamente com a motivação para se contar aquela história e daquela forma. O tema está inseparavelmente ligado a visão de mundo e as experiências de cada autor. É um ciclo infinito que se retro alimenta, enquanto o tema norteia as escolhas de criação da trama, a própria abordagem do tema é fruto natural da unicidade de cada autor. Uma mesma história pode ser abordada com temas diferentes, resultando assim em tramas distintas.

Trecho do livro de Flávio de Campos Roteiro de Cinema e Televisão.

Então, o tema revela a história que habita dentro da história, a mensagem que você quer levar as pessoas. E não entenda isso como a defesa de uma tese ou uma verborragia discursiva que estará na boca dos personagens. Aqui a máxima do Mostrar, Não Contar é ouro. Mostre seu tema em ação e faça o leitor senti-lo em vez de dizer a ele sobre o que sua história é. O tema não deve ser meramente uma discussão verbal e argumentativa dentro do roteiro, o que pode soar pedante e monótono ao leitor. Ao contrário, ele trabalha em um nível emocional utilizando a própria dramatização como forma de argumentação. O tema se materializa no roteiro em conflito e permeia toda a ação da trama.

“O contar de uma estória é uma demonstração criativa da verdade. Uma estória é a prova viva de uma ideia, a conversão da ideia em ação. A estrutura de eventos de uma estória é o meio com o qual você expressa e depois prova sua ideia...sem implicações. Grandes contadores de estória nunca explicam. Eles fazem a coisa dolorosa, criativa- dramatizam” - Story de Robert Mckee

A concentração no tema fornece uma técnica de trabalho útil para ajudar a criar os detalhes da história com coerência. Cada uma das subtramas pode ser uma variação do tema da história, com um conflito e uma resolução diferentes. Quando a dúvida bater sobre que caminho se seguir em sua trama ou sobre o que seu personagem deve fazer… você pode voltar-se ao tema. Assim, tudo em seu roteiro pode ser uma variação do tema. Não uma repetição monótona sobre o tema, em que cena após cena, o tema é explorado da mesma forma. Pense na música e na possibilidade de uma variação melódica, por exemplo. Assim, cada detalhe do seu roteiro traz essa variação com facetas diferentes sobre o tema e acrescenta algo novo a isso.

“Todos sabemos que lição Dorothy aprende em “ O Mágico de Oz” - Não há lugar como o lar? Não, a verdadeira lição que ela aprende é que “você não precisa ser ajudada. Você sempre teve o poder de voltar para o Kansas”. [...] Dorothy começa querendo dar o fora do Kansas e ir para algum lugar além do arco-iris. Encontrar as respostas para a vida fora de si própria. O tornado faz com que seu desejo vire realidade… ao extremo! Agora Dorothy está em um desconhecido e maravilhoso mundo em que ela se torna uma heroína instantânea e lhe dão pirulitos. Ela gostaria de encontrar o caminho de volta para casa, mas existe um senso de aventura em seguir aquele caminho de tijolos amarelos - ela não está com pressa para voltar ao Kansas...ainda. Mas conflito após conflito fazem com que ela queira ir para casa...mas cada um desses conflitos fazem-na pensar que isso é impossível. Ela ainda está buscando por resposta fora de si.

Olhe os personagens secundários: O Espantalho (Se eu tivesse um cérebro), O Homem de Lata (se eu tivesse um coração) e o Leão Covarde (Se eu tivesse a coragem)- cada um deles procurando por uma solução mágica para seus problemas quando eles já tem o poder para resolver seus problemas de vez. Cada cena, cada personagem, cada subtrama, tudo é sobre esse tema!” - BLUE BOOK 2: Outlines and the Thematic Method de William C. Martell

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“Uma cena também explora um tema. Filmes são sobre algo. Eles podem ser sobre o bem e o mal ou sobre identidade e integridade ou ganância ou amor ou traição ou sobre qualquer número de ideias que se relacionem a condição humana. Cenas podem explorar e expandir uma ideia através de palavras que os personagens dizem, ações que eles tomam e imagens criadas no roteiro.” - Linda Seger, Making a Good Script Great

O tema pode ser expresso como um substantivo, algo como “Ambição” ou “Desigualdade”, mas isso é pouco eficiente como princípio de organização da trama por ser muito vago. Algo mais específico irá guiar a trama com mais solidez. Trabalhar com um conceito de oposição como “Liberdade versus Dinheiro” seria mais poderoso (Titanic, por exemplo, poderia ser compreendido como tendo exatamente essa discussão temática. Alguns diriam que se trata de Amor versus Dinheiro, mas observe que o amor aqui é meio para se conhecer e alcançar a liberdade.). Mas ainda mais potente e mais recorrente no cinema atual é o conceito de tema de uma forma mais elaborada, já convertida em uma sentença. Uma afirmação ou questão que condensa uma maior complexidade e os valores da trama.

“Quando sua audiência deixa o cinema, e um mês depois está dizendo ao seu amigo, “Eu amo esse filme, ele é sobre…”. O que você quer que isso seja? Então, para um filme como Os Incríveis, você poderia dizer” Oh, é um filme sobre um grupo de super-heróis enfrentando o crime”. Mas quando você está falando sobre tema, você está questionando uma coisa mais profunda sobre o que é o filme. É um filme sobre um cara que perdeu seu senso d identidade e o encontra novamente ao se reconectar com sua família. Sua identidade como parte de uma família, como parte daquele super time” - Mary Coleman, Head of Creative Development em vídeo do curso Pixar in a Box.

Filmes minimalistas costumam trabalhar menos com esse uso do tema. Ou pelos menos, trabalhá-las com mais sutileza, não deixando as questões temáticas tão delimitadas. Outra abordagem muito recorrente é trabalhar com dois grandes temas, mesclando-os, em geral através da trama central e da subtrama. Para evitar clichés e previsibilidade, utilize a concentração temática no desenvolvimento do roteiro de forma não óbvia. Nem tudo precisa estar explícito, você pode trabalhar com subtexto, com alegorias, com sistemas de imagens que ajudem a transmitir o tema, sem soar redundante ou escrito com mão pesada.

“Novamente, é crucial que seu tema permaneça invisível por toda parte e ressoe sob a história. Como você verá em breve, a melhor maneira de fazer isso é através da emoção. Aprendemos melhor quando estamos emocionalmente envolvidos, não quando fazemos palestras. Grandes filmes nos ensinam sobre a vida enquanto nos movem emocionalmente. Quanto mais significativo for o tema, mais profundas serão as emoções. Platão certa vez argumentou que todos os contadores de histórias deveriam ser banidos porque são uma ameaça à sociedade. Eles lidam com idéias, mas não da maneira aberta e racional dos filósofos. Em vez disso, eles escondem suas idéias dentro das emoções sedutoras da arte. Quer escrevamos romances, sitcoms, quadrinhos ou roteiros, somos artistas. Aristóteles acreditava que toda arte serve a dois propósitos: encantar e ensinar. Como roteiristas, nos deliciamos com a história e ensinamos através do tema.” - Writing for Emotional Impact de Karl Iglesias

Muitas vezes, você não começará sua história sabendo sobre o que ela realmente é, mas descobrir isso é parte fundamental do escrever. Alguns autores já começam com um tema que desejam explorar e a partir disso desenham como esse tema poderia se materializar em elementos da trama. Outros, ainda, escrevem (seja um argumento ou até mesmo um primeiro tratamento) e tentam a partir disso identificar o significado da trama, ou seja, qual seu tema poderia ser. Seja ao longo do processo ou em novos tratamentos, encontrar o tema irá ajudar a criar a unidade necessária para fazer com que protagonista, os outros personagens, a estrutura e a trama se fundam de forma orgânica e significativa.

Se você gostaria de começar um novo roteiro e não sabe por onde começar, listar uma quantidade de temas e questões que lhe atraem pode ser interessante. A partir disso, você pode escolher uma que ache que funcionará melhor, ou por lhe ser mais cara, ou por ter mais relevância no cenário atual, etc. Então, você desenvolve uma premissa dramática que exprima esse tema e logo chegará em uma logline, o que já é um caminho a seguir para começar a escrever. Começando pelo tema, tome cuidado apenas em que a autoconsciência não leve a desenvolver uma tese, uma propaganda, onde tudo e todos no roteiro estejam a serviço exclusivamente do tema e acabem não tendo outros aprofundamentos.

Caso você já esteja no processo de escrita, descobrindo/definindo um tema pode ajudar a voltar para a trama e retrabalhar alguns elementos de forma a fazer com que o tema seja lapidado sobre vários aspectos e pontos de vista. Segundo William C. Martell em BLUE BOOK 2: Outlines and the Thematic Method, os três lugares em que o tema se expressam com mais facilidade são:

  • A maior decisão que a protagonista tem que fazer ao longo da história;

  • O conflito emocional da protagonista ( seu arco emocional);

  • A maior diferença filosófica/moral entre a protagonista e a antagonista;

Examine bem esses pontos de sua trama e reflita sobre os significados que eles carregam. Isso pode ser uma luz, caso ainda não tenha encontrado o tema do seu roteiro. Não tenha medo de mudar de ideia ou continuar a refletir sobre isso durante todo o processo de escrita, porque sim, você pode acabar descobrindo que o seu filme não era sobre o que você inicialmente acreditava ser. Isso é mais comum do que você imagina. Você pode acabar descobrindo que o seu filme sobre vingança, na realidade é sobre não repetir os erros do passado, e isso é ótimo! Algumas vezes, inclusive, você não vai descobrir isso sozinho! Também é comum que um amigo, um consultor, etc, leiam sua trama e juntando os elementos expressos ao longo do roteiro, lhe digam o que logicamente captaram como significado da trama e isso seja mais pertinente do que o que você achava que estava falando. Então, também mantenha-se aberto as primeiras recepções e feedbacks que tiver pois eles podem apontar questões até então inimagináveis por você. Nunca é tarde demais para saber sobre o que o seu filme realmente é, a não ser que o filme já esteja filmado e pronto!

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