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  • Marcos Hinke

De volta para o Futuro: As recompensas de um ótimo roteiro


30 anos depois, as aventuras de Marty Mcfly e Doc Brown ainda mantém seu frescor e originalidade

Einstein, Marty, Doc Brown, George, Lorraine e Biff. Personagens carismáticos em uma aventura arquitetonicamente bem construída.

De Volta para o Futuro é um clássico atemporal que há trinta anos permeia o imaginário dos fãs do cinema mainstream. O tema viagem no tempo é uma fantasia universal que desperta nossa imaginação, sendo explorado por centenas de escritores(as) no decorrer dos séculos em diversas obras clássicas e apaixonantes.

Obviamente, o sucesso de De Volta para o Futuro vai muito além do roteiro, o elenco extremamente carismático (onde até o antagonista malvadão é muito legal), o visual marcante, a trilha sonora grandiosa, direção firme, efeitos visuais criativos, uma máquina do tempo a partir de um Delorean (É possível ser mais cool do que isso?) são apenas alguns dos muitos fatores que tornaram a série de filmes um verdadeiro fenômeno da cultura pop. Nesse post, vamos apontar alguns elementos do primeiro filme da série que são uma verdadeira aula para roteiristas que buscam cativar o público através de uma aventura fantástica.

A Premissa original, mas simples

"Enquanto as pessoas inteligentes conseguem freqüentemente simplificar o que é complexo, um tolo tem mais tendência a complicar aquilo que é simples." - Diego José, poeta mexicano

Filmes sobre viagens no tempo são verdadeiros ímãs para furos de roteiro, o que faz com que muitos roteiristas dediquem dezenas de páginas e situações para se proteger de inevitáveis erros de lógica, ou pior, propositalmente complicam a trama para tirar a atenção do espectador dos buracos na trama. Um dos maiores méritos de De volta para o Futuro reside na habilidade dos roteiristas Bob Gale e Robert Zemeckis em simplificar o complicado, sobrando tempo para o desenvolvimento dos personagens e uma construção narrativa leve e divertida, o que leva o público a imergir na história e relevar certos paradoxos (muito diferente de tentar confundir para enganar).

Em cenas curtas e eficazes, Doc Brown consegue explicar para Marty (e para o público) como funciona sua máquina do tempo, os problemas que os paradoxos temporais podem causar e o que é necessário para que Marty saia dessa enrascada.

A força inicial de De Volta para o Futuro reside na sua simplicidade, originalidade e alto potencial de engajamento. O high concept da premissa chama atenção com uma simples pergunta “E se um adolescente volta-se no tempo e encontra-se seus pais quando eles tinham a sua idade?”.

Mas melhor ainda que a premissa, é o conflito principal do filme: “E se no passado, o adolescente acidentalmente impedisse que seus pais se conhecessem, colocando sua própria existência em risco?”. O conflito possibilita a exploração de fortes elementos dramáticos através de um risco alto para o protagonista, que, se não resolver o conflito, não vai simplesmente morrer, terá sua existência apagada da história. Além disso, o conflito tem um prazo estabelecido para ser resolvido, o que coloca a narrativa em movimento constante e aumenta o grau de suspense.

Imagine voltar no tempo e descobrir que seus pais não eram tão inocentes quanto alegam ter sido.

Paralelamente, o roteiro conta com uma subtrama envolvendo o próprio protagonista. Marty enfrenta dois conflitos no decorrer do filme, reunir os pais e encontrar uma forma de voltar para 1985, correndo o risco de ficar preso no passado. Podemos ainda considerar o conflito emocional de saber que seu bom amigo Doc Brown será assassinado em 1985, sendo que este se recusa a ouvir qualquer informação sobre o futuro.

A estrutura do filme não é ansiosa para resolver os dois conflitos ao mesmo tempo e as cenas são desenhadas de uma forma que ambas as tramas possam co-existir em harmônia, dando tempo para as situações e personagens se desenvolverem em um ritmo preciso.

O Roteiro redondo e orgânico

Roteiro do terceiro filme da franquia com anotações do Assistente de Objetos Dan Bentley.

Uma das maiores artimanhas do roteiro está na técnica de Anunciação e Recompensa (Plant and pay off), em que um elemento ou informação fornecida em um ponto da trama terá grande importância no futuro. Assim, os roteiristas conseguem estabelecer uma relação entre presente e passado de forma circular e uniforme, sem “gordurinhas” no roteiro ou sonegação de informações.

Anunciação e recompensa é uma técnica eficaz para conectar pontos da trama, fortalecer a diegese do filme, sintetizar resoluções que poderiam tomar muito tempo para se fecharem e ao mesmo tempo criar unidade, humor e tensão na história. Por outro lado, pode ser uma técnica complicada, pois é muito fácil cair na armadilha da exposição excessiva, criando tramas previsíveis, com um falso senso de surpresa, e cenas longas que prejudicam o ritmo da narrativa.

Existem vários tipos de anunciações e recompensas em De Volta para o Futuro. O primeiro, é o estabelecimento de uma informação em um contexto, que inicialmente aparenta não ter nenhuma importância narrativa, mas que depois é ressurge de outra forma, causando surpresa e imprevisibilidade (O relógio da torre ou a cena do jantar). Outro tipo de anunciação é o informativo, em que é estabelecido o que vai acontecer e o que devemos esperar, como por exemplo, a cena em que Doc explica como a máquina do tempo funciona e o que é necessário para fazê-la funcionar.

Nos exemplos abaixo, vemos como algumas cenas de anunciação e recompensa são inseridas no filme:

Marty e o medo da rejeição: Após ter sua banda rejeitada no teste para tocar na Batalha das Bandas de sua escola, Marty fala para sua namorada, Jennifer, que está pensando em desistir. Ela o lembra de algo que Doc sempre diz: “Se você se focar, você pode conquistar qualquer coisa”. Em 1955, Marty descobre que seu pai escreve histórias de ficção cientifica, mas nunca deixou ninguém ler por medo da rejeição. Ao voltar para o novo 1985, o pai de Marty agora é um renomado escritor e que usa a frase de Doc como um lema de vida, graças a um incentivo dado por Marty no passado.

O folheto “Salvem o relógio da torre”: O elemento chave para impulsionar e resolver a trama secundária do filme, pois a partir dele que Marty e Doc tem a informação do horário e local exato em que um raio ira cair, gerando energia suficiente para enviar o Delorean para o futuro. Se o folheto fosse apenas

informativo, seria muito oportuno o fato de Marty estar com ele em seu bolso, mas para tornar o objeto importante para o personagem, os roteiristas fazem com que Jennifer utilize o folheto para anotar o telefone de onde ela vai estar a noite e deixa uma mensagem de amor para Marty. Agora não é mais só um folheto, é um objeto com valor sentimental para Marty.

O carro acidentado dos Mcfly's: Estabelece dois personagens importantes e a relação entre eles. George, o pai de Marty, e Biff, o antagonista da história, que oprime e explora George. Quando Marty volta para 1955 e encontra seu pai e Biff, o público rapidamente identifica os personagens por conta dessa introdução e no terceiro ato, quando Marty retorna a 1985, a recompensa para o espectador é a mudança da relação de poder entre os dois personagens.

O Jantar em família: Lorraine é apresentada como uma mãe antiguada e moralista, que desconta suas frustrações na nova geração com o clássico discurso que em seu tempo todos eram comportados e respeitáveis. Aproveitando que Marty vai sair com Jennifer, conta novamente para os filhos como conheceu o pai deles e onde se beijaram pela primeira vez. As informações dadas por ela são essenciais para o conflito principal do filme e para o encaminhamento de sua resolução. Como espectadores, entendemos rapidamente como Marty interferiu na vida de seus pais e conseqüentemente colocou sua própria existência em risco. Além disso, o contraste entre a Lorraine de 1985 e a Lorraine de 1955 adiciona de forma cômica uma camada adicional de profundidade na personagem, e no terceiro ato ainda somos recompensados ao descobrirmos como a interferência de Marty influenciou no destino de seus pais. A cena está longe de ser meramente anunciativa: ela nos apresenta a disfuncional família Mcfly, a falta de amor e incomunicabilidade entre os pais, e como Marty é um peixe fora d'água dentro de sua própria casa, para assim entendermos que não é a toa que um adolescente de 17 anos é amigo próximo de um cientista de 70 anos considerado louco pelos habitantes da cidade.

O estacionamento do shopping: Em uma cena curta e muito bem escrita, temos apresentação de personagem (Doc Brown), da máquina do tempo, o incidente incitante, humor e informações importantes para a história. É nesse momento que Doc fala para Marty sobre o capacitor de fluxo, elemento que será fundamental para Marty convencer o Doc de 1955 que ele não está mentindo; Descobrimos que o Delorean precisa de plutônio (ou 1.21 gigawatts de energia) para viajar no tempo e a velocidade necessária; Além de estabelecer o conflito emocional quando Doc é assassinado.

Outras anunciações são utilizadas para criar gags, como o tio de Marty que está na cadeia em 1985, e é apresentado em 1955 como um bebê que adora ficar atrás das grades de seu berço, ou a série de TV clássica que Marty assiste com sua família no presente e novamente no passado. As anunciações e recompensas causam uma sensação de prazer e empatia do público, que se sente intimo dos personagens por conhecer informações pessoais e importantes.

Um raio e um baile. Os elementos para a resolução dos conflitos são apresentados no primeiro ato, antes dos conflitos surgirem.

Bons Personagens: A sustentação da franquia

Sem bons personagens, De Volta para o Futuro seria apenas mais um filme divertido e curioso (quando falamos em bons personagens, não dizemos apenas em bem escritos, mas bem interpretados, não é a toa que os produtores interromperam as gravações após cinco semanas para substituir o ator principal), e suas continuações provavelmente nunca existiriam ou seriam fiascos totais.

Apesar das sequências serem um festival de Deus Ex Machina, elas tem um terreno sólido onde se apoiar: O primeiro filme. Um dos maiores desafios na construção de uma obra de ficção é criar situações críveis dentro de sua diegese e personagens relacionáveis, e De volta para o futuro 2 e 3 se beneficiam dessa herança deixada pelo filme original. Ótimos personagens já estabelecidos e reconhecidos pelo público cobrem muitos dos pecados da escrita, contanto que em nenhum momento a lógica dos personagens seja quebrada.

Convenhamos, De Volta para o Futuro 2, apesar de divertidíssimo, tem uma das premissas mais absurdas da história do cinema. Em 1985, Doc Brown chega eufórico querendo levar Marty e Jennifer para 2015 por conta de um problema envolvendo o filho deles. Isso sim é um caso extremo de ansiedade: querer resolver com urgência algo que está previsto para acontecer daqui trinta anos. Mas como o filme já começa com personagens familiares (e queridos) ao público, a história já vai direto para ação, enquanto aos poucos vai estabelecendo os conflitos subsequentes da trama. Já entramos no filme confiando nos narradores da história e não precisamos ser reconquistados para embarcarmos na jornada (E um ponto extra para os roteiristas por manter o mesmo antagonista do primeiro filme).

Outro fator que pesa a favor do segundo e terceiro filme, é que os cineastas confiam que os espectadores tenham o primeiro filme marcado na memória (talvez a popularização do VHS tenha dado essa confiança aos produtores). De volta para o futuro - Parte 2 é uma grande recompensa, utilizando o primeiro filme como anunciação. Em menos de vinte minutos, já temos uma viagem no tempo, a estabilização de um novo universo (o futuro), a re-apresentação do antagonista e uma releitura de duas cenas marcantes do primeiro filme: A chegada de Marty no futuro (em contraste com a vida pacata dos anos 1950) e a perseguição da gangue de Biff a Marty, substituindo o skate e cadilac por Hoverboards. A cidade de Hill Valey é tão bem estabelecida no primeiro filme, que acaba se tornando um personagem nas continuações. Rapidamente identificamos a praça central, a torre do relógio, o neto do prefeito Goldie Wilson (que no primeiro filme é influenciado por Marty em 1955 a se tornar prefeito) e o bairro da familía Mcfly, que agora se transformou em um bairro barra-pesada da cidade.

Os elementos que tornam De Volta para o Futuro um clássico são incontáveis, ainda é muito prazeroso reassistir um filme em que tudo está em seu devido lugar e nada é desperdiçado (com exceção da personagem de Jennifer nas continuações, onde os roteiristas optaram por transformá-la em mero acessório para a história e não em um personagem real). A aventura é deliciosa e original, e ainda mantem seu frescor depois de 30 anos. Como resistir embarcar nessa jornada incontáveis vezes?

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