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  • Jaqueline M. Souza

Elementos da Narrativa: O valor de definir o espaço geográfico em uma história


Se beber, não case tornou a cidade personagem do enredo e rendeu dezenas de milhões de dolares para Las Vegas, mas o que a escolha de situar a história em Vegas rendeu para o filme é imensurável.

Todos nós sabemos que qualquer narrativa é composta por alguns elementos essenciais em sua composição. Entretanto, um desses elementos parece ter sua importância constantemente subestimada pelos roteiristas e produtores brasileiros. Talvez por limitações financeiras das produções, talvez pelo forte influência do eixo Rio-São Paulo na economia brasileira ou mesmo pela pouca visão das cidades e estados em explorar os potenciais econômicos que podem ser alcançados através das produções audiovisuais. A questão é que o ESPAÇO é peça fundamental da construção de qualquer narrativa e devemos acrescentar um peso ainda maior no audiovisual por sua relação direta com a imagem.

Não vamos levantar aqui sobre as diferenças de localizar sua cena de término de um relacionamento em um restaurante elegante ou em um boteco de esquina. A diferença que esta simples mudança faria já é evidente e talvez muito mais recorrente na cabeça de qualquer roteirista. O que queremos apontar é importância seminal do espaço geográfico na sua história.

Comumente, por pura comodidade humana, costumamos escrever sobre o que conhecemos e sobre o que, de alguma forma, nos é familiar. Por isso, é comum que você, sendo um morador de São Paulo, acabe criando um história paulistana, com personagens locais, buscando os tons que reconhece nas ruas que passa e nas experiências de sua cidade. Isso não é vergonha ou problema nenhum para um roteirista/escritor. Mas existe um porém. O porém é simples e forte, e nos atinge sempre como um soco na cara: o espaço na sua história é uma escolha meramente de comodidade ou uma construção conceitual com o restante de sua trama?

Será realmente, este o melhor espaço para sua história? O que esta cidade, este estado, pode acrescentar a sua história? Conceitualmente uma delimitação precisa do espaço geográfico pode influenciar o clima, a atmosfera, seus personagens e mesmo o enredo. Grandes filmes e séries sempre utilizaram essa construção geográfica para dar nova camada de profundidade a suas tramas.

Pense em Breaking Bad sem a cidade de Albuquerque. Como contextualmente trazer a história a uma região de divisa, com suas tensões e diversidade, acrescentam situações e personagens únicos. Imagine a série sem o deserto imenso que se inicia logo após bairros populosos de classe média. No clima de cidadezinha do interior que limitou as possibilidades de sucesso de um gênio da química. Gilligan no final da série assumiu que a ideia inicial era localizar a história na Califórnia, mas que os subsídios oferecidos pelo Novo México foram atrativos suficientes para mudar o roteiro e assim, Albuquerque acabou se tornando um personagem da serie.

Pense também em True Detective. O estado do Louisiana dá toque de primor a primeira temporada. Um estado que tem metade de seu território composto de florestas, que foi devastado pelo Furacão Katrina, sacrificando parte de sua população, deixando cidades abandonadas e eliminado pistas do passado. Outro lugar daria o mesmo clima melancólico e místico?

Recentemente na produção da minissérie Felizes para Sempre? o diretor Fernando Meirelles convenceu o autor Euclydes Marinho a trocar a localização da história, passando de Niterói para Brasília. Escolha completamente acertada e condizente com o atual cenário das produções televisivas ao redor do mundo. Sair do "lugar comum" cria diferencial, dá novas possibilidades visuais, e se usada corretamente aprofunda a trama. A opção por uma capital política, no cerrado brasileiro, belo e pouco explorado pelo audiovisual, aliado à uma arquitetura moderna e planejada, mudou completamente o clima e deu novo significado a história.

O governo brasileiro mantem uma iniciativa de descentralização da produção audiovisual (sua eficácia pode ser discutida em outro post) em vários mecanismos de fomento, mas devemos ter em mente que a mera descentralização da produção sem a ampliação do conceito na narrativa das obras, é ouro de tolo. Aprovar projetos de tal local, para que suas histórias tenham uma ambientação geográfica usada meramente como decoração é desperdiçar o imenso potencial do audiovisual, que pode difundir culturas, alimentar a auto-estima da população local, valorizar a diversidade, promover locais e divulgar pontos turísticos (vejamos o exemplo de Las Vegas com Se beber, não case, onde a empresa que faz a Divulgação e Relações Públicas local disse que o filme gerou um valor de dezenas de milhões de doláres para a cidade).

Se o medo é de tornar a sua obra hermética ou pouco relacionável, arranje outra desculpa. O público não deixa de assistir Simpsons por não morar em Springfield, assim como não deixa de ter medo de Alien por não estar em uma nave de carga no espaço. Mesmo a questão da obrigatoriedade de um ponto de vista lisonjeiro, com histórias felizes e personagens bondosos para não passar uma má impressão da cidade, hoje já está ultrapassado, veja Breaking Bad e a onda turística criada em Albuquerque por conta da série. O importante é criar obras universais com tons únicos locais.

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