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Anti-heróis: Protagonistas Desprezíveis

Texto original de Erik Bork. Tradução e Introdução: Marcos Flávio Hinke . Acesse o texto original aqui.

Com a ascensão de alguns protagonistas desprezíveis em dramas televisivos como The Sopranos, Breaking Bad e True Detective, os anti-heróis estão em todos os lugares. Não precisamos mais nos simpatizar ou torcer pelo personagem principal em uma história, aparentemente – desde que sejam pessoas fascinantes em um mundo de altos riscos fascinantes.

 

Isso é verdade e se aplica a filmes também?

 

Sim e não. Eu creio que uma escrita e personagens realmente excepcionais podem ajudar a envolver o público onde eles não se envolveriam de outra forma, mas eu também acho que o maior problema de roteiros que não são bem sucedidos é que é difícil realmente se importar com o protagonista e a história.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O público geralmente tem que se importar de verdade com o que está acontecendo para continuar assistindo. Na maioria das vezes isso requer que eles se identifiquem com o protagonista de um filme ou até mesmo que gostem dele. O título do livro Save the cat se refere, na mente do autor Blake Snyder, ao protagonista fazer algo altruísta nas primeiras dez páginas para que possamos nos prender a ele. Muitos roteiros são deixados de lado após dez páginas com o leitor pensando: “Por que eu iria querer seguir essa pessoa por duas horas?”. Mas gostar do protagonista não é absolutamente necessário, desde que você forneça razões o suficiente para o público ainda se identificar com ele. A maneira mais comum é dando aos protagonistas problemas bem grandes e/ou bastante relacionáveis.


Minha regra de outro é: Quanto mais desprezível for o protagonista, maior e mais relacionáveis seus problemas precisam ser.

 

Por que nos importamos com Tony Soprano?

 

Na superfície Tony Soprano é desprezivel, ele é um mafioso violento que mente e traí. Mas quando ele é apresentado no piloto de The Sopranos, ele está tendo uma crise de pânico, se sente assustado e humilhado por ter que ir a uma terapeuta. Enquanto isso, sua própria mãe pode estar tentando  matá-lo e ele não consegue o respeito e paz que quer de sua esposa, filhos e colegas. Seus problemas são uma combinação de problemas grandes e relacionáveis. Sim, de vez em quando ele mata um cara, mas a maior parte do programa é sobre adentrarmos em sua vida cheia de problemas através de uma perspectiva pessoal e emocional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Breaking Bad é similar. Walter White começa incrivelmente relacionável. Ele é um professor de química do ensino médio que se importa com sua família, descobre que está prestes a morrer e quer cuidar deles de alguma forma. Sim, temporadas depois, ele se torna um personagem bem obscuro, mas o que prende o público inicialmente é algo completamente simpatizante (aliado a grandes e relacionáveis problemas).

E True Detective prova, mais uma vez, que se os protagonistas de uma série solucionam assassinatos (ou fazem algo heróico para os outros ou para a sociedade no geral) eles podem se safar por serem pessoalmente desprezíveis em vários aspectos. Muitos dramas procedurais televisivos tiram vantagem dessa brecha, especialmente programas de tv a cabo que dependem menos de audiência. Até mesmo em emissoras abertas que valorizam mais personagens afáveis (como uma ferramente de capturar o maior público possível) vemos exemplos disso em séries como House, M.D.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Problemas nos levam a nos importarmos

Se o protagonista de seu filme não está enfrentando um enorme e relacionável problema, você pode ter um grande problema.

Na verdade, mesmo que ele ou ela seja agradável, se o problema não for grande ou relacionável o suficiente, o público tenderá a não se importar com a história. Esse é outro problema comum que vejo em roteiros: o protagonista não está enfrentando algo grande, difícil ou complicado o suficiente que tende a piorar e piorar até se transformar em um clímax. Também é necessário ter riscos o suficiente em suas experiências externas (não apenas internas), uma razão grandiosa que DEVE ser solucionada (em que o público está conectado).

A maioria dos filmes bem sucedidos tem uma combinação de problemas enormes (consistentes com o gênero que o filme se aplica) e um protagonista simpático e relacionável que é fácil de gostar, independente de qualquer falha que possam ter. Sim, bons personagens principais tendem a ter falhas, mas normalmente não os leva a machucar outros, normalmente é algo que complica seu próprio caminho.

O que realmente importa é que o público deve estar emocionalmente comprometido com a história, o que significa prioritariamente, os conflitos e problemas do protagonista. Normalmente, a melhor forma de alcançar isso é descrever tudo por um ponto de vista subjetivo desse protagonista,  com quem o público pode criar empatia. Talvez eles não se simpatizem ou amem o protagonista, mas eles ainda podem se colocar no lugar dele e ainda querer o seguir.

 

Michael Hauge sobre “empatia” 

Recentemente estava procurando a edição de 20º aniversário  do clássico livro Writing Screenplays that sell de Michael Hauge, e descobri que o autor codificou maneiras de ganhar a empatia do público, que vai bem além das minhas conclusões pessoais (a respeito da necessidade de problemas maiores e mais relacionáveis para compensar o desgosto pelo protagonista). Em sua seção “Criando Empatia”, ele cita os três métodos mais tradicionais:

 

  • Fazendo o público se simpatizar com o personagem (dando-os um “azar desmerecido");

  • Colocando-os em grande perigo, fazendo com que nos preocupemos com eles;

  • Fazendo-os admiráveis, o que significa pessoas sem egoísmo e de bom coração, generoso e solicito aos outros.

 

Mas ele vai além desses métodos testados e aprovados. Ele também nota que você pode fazer um personagem aparentar ser agradável  ilustrando-o como bem quisto por outros personagens (com um pequeno círculo de amigos), mesmo que você não o veja agindo sem egoísmo (como na abertura de Legalmente Loira).E ele observa que se um personagem é engraçado o suficiente e nos faz rir, isso pode as vezes perdoar características desagradáveis e isso faz com que nós queiramos continuar os assistindo e nos relacionando com eles. Assim como em Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro e também em Melhor é Impossível, talvez o melhor estudo de protagonista desprezível que não aparenta se aplicar com o critério tradicional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu concordo com Michael que os roteiristas devem dar ao público (e aos leitores) alguma combinação desses três elementos: Simpatia, risco e carisma. Eu também adoro a lista adicional que ele nos dá de elementos que podem ajudar a solidificar mais a identificação do público com um protagonista. E como isso talvez seja a coisa mais importante que um roteiro tem que alcançar, eu acho que vale a pena considerar muito isso.

 

A lista secundária inclui:

  • Fazer o personagem altamente habilidoso em algo;

  • Colocar o personagem conectado com seu poder interior (o que pode significar super poderes ou poder sobre outras pessoas, mas também o poder de fazer o que precisa ser feito e/ou expressar seus próprios sentimentos independente da opinião dos outros);

  • Dando-lhe falhas e manias reconhecíveis;

  • Fazendo dele, os olhos do público (onde só aprendemos as coisas enquanto o protagonista as faz);

 

A segunda lista não substitui os três primeiros métodos, mas esses elementos podem ajudar a alcançar esse objetivo tão importante, que é fazer o público se importar. Tenha em mente que isso é importante de ser alcançado nas dez primeiras páginas, que é quando o leitor está realmente se perguntado: “Eu já tenho alguma conexão emocional forte e alguma razão para querer seguir esse personagem e esta história?”

Em 99% dos roteiros a resposta será provavelmente “Não”. Mas se você conseguir ser esse 1% (ou menos) que consegue um “sim” você estará bem a frente do jogo.

A qualidade da história sendo narrada é definida, em boa parte, por conta de seus personagens. A dimensão de suas personalidades trás complexidade a narrativa  e chama a atenção do espectador para a história que está sendo contada, que é guiada pelo objetivo do protagonista. Bons personagens possuem uma motivação bem definida e plausível dentro do contexto da história, são ativos, enfrentam conflitos internos e externos, são movidos por personalidades marcantes, se transformam através de experiências, mas acima de tudo são relacionáveis.

 

Para compartilhar emoções com um personagem fictício (ou até mesmo com pessoas reais) é necessário sentir empatia por tal personagem; Reconhecer uma certa humanidade, compreender seus sentimentos e reações, se colocar em seu lugar.

 

Como espectadores, conseguimos sentir por Simbad, um leão desenhado ou Woody, um cowboy de brinquedo criado através de códigos binários ou até mesmo se espantar quando um Robô atropela acidentalmente sua barata de estimação, porque mesmo que suas características físicas não se assemelhem com as nossas, nos identificamos com seus problemas, suas lutas e torcemos por ele, além do mais, eles são adoráveis.

 

Mas e no caso dos anti-heróis tão presentes na televisão atual? Como conseguimos criar empatia com um mafioso que extorque, mata e é infiel a sua esposa? Como sentimos por um sociopata que de dia investiga assassinatos, mas a noite assume sua persona de serial killer? Bom, porque “empático” não significa “simpático”; Como seres humanos conseguimos nos identificar com pessoas completamente diferente de nós, que fazem coisas que nunca faríamos, desde que alguma qualidade daquela pessoa nos desperte algum sentimento possitivo.

 

Os detetives Rust Cohle e Marty Hart, protagonistas de True Detective, são dois canalhas. Hart é machista, beberrão, dominador, adultero e hipócrita, Cohle é um sociopata de carteirinha, niilista e segue uma ética muito própria. A maioria das pessoas provavelmente não gostaria de recebe-los em suas casas ou sentar com eles em uma mesa de bar, mas milhões de espectadores acompanharam sua jornada e torceram por eles. Apesar de todos os pontos negativos de Cohle e Hart, eles também possuem fragilidades e virtudes. Cohle é um sujeito perturbado pela morte de sua filha e por sua visão pessimista da existência; Hart, apesar de hipócrita, aparenta realmente se importar com sua família e o vemos sofrer de crises morais ocasionalmente. Mas talvez o detalhe mais relacionável dos dois é que eles são ótimos no que fazem. Mesmo que seus métodos sejam imorais, a obstinação dos dois os tornam “agradáveis” de se acompanhar, queremos que eles alcancem seus objetivos e nos identificamos com eles.

 

No texto a seguir, traduzido do blog Flying Wrestler, o roteirista Erik Bork compartilha  outras características e métodos utilizados para se criar empatia com personagens desprezíveis, utilizando como exemplo alguns dos personagens mais famosos da Tv moderna.Leia abaixo: 

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