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8 Sequence APPRoACH

Por Jaqueline M. Souza

“Quando as pessoas querem saber o que é escrever roteiros, eu tenho uma resposta padrão: É simples: é sobre contar histórias empolgantes sobre pessoas empolgantes de uma forma empolgante. Isso é tudo. O único problema é saber como criar histórias e pessoas empolgantes e como dominar todas as complexidades da forma - porque escrever roteiros é fazer cinema no papel.”

- Frank Daniel na introdução de The Tools of Screenwriting

Nós já falamos aqui da Jornada do HeróiA Promessa da Virgem, e a famosa e controversa Beat by Beat/BS2.  Hoje, falaremos de outra estrutura paradigmática dos roteiros, muito utilizada no cinema e que remonta ao inicio do cinema ficcional, a Sequence Approach ou Abordagem por Sequências. 


 

HISTÓRICO 

O que é uma sequência?


A compreensão é a mesma do conceito padrão de linguaguem cinematográfica: uma sequência é um conjunto de cenas com uma unidade de ação dramática. Nas duas primeiras décadas do cinema, os realizadores das obras mais longas eram frequentemente indicados a criar suas obras com pequenas sequências que tivessem começo, meio e fim dentro de um mesmo rolo de película para exibição.

Frank Daniel (nascido Frantisek Daniel), foi um famoso roteirista, produtor e diretor tcheco, com formação no VGIK- Instituto Russo de Cinema, a mais antiga faculdade de cinema do mundo.  Em 1956, lançou ainda na República Tcheca,  juntamente com Miloš Václav Kratochvíl , Cesta za filmovým Dramatem ( Algo como O caminho para o Filme Dramático, segundo o google tradutor), um livro sobre dramaturgia para cinema, onde os roteiristas abordavam temas desde a escrita do roteiro, métodos criativos de dramaturgia, personagem e tipo, tópico e conflito, etc. Foi decano da Escola de Cinema de Praga e em 1968, se mudou para os Estados Unidos, onde permaneceu na área de educação cinematográfica, tendo atuado como professor do American Film Institute (AFI) ; co-presidente da divisão cinematográfica da Escola de Artes da Universidade de Columbia; diretor artístico do Sundance Institute de Robert Redford e o primeiro reitor da Escola de Cinema-Televisão da Universidade do Sul da Califórnia (USC). Ou seja, influenciou diretamente e indiretamente algumas gerações de cineastas americanos, provavelmente a segunda vinda de uma formação acadêmica.

 

E foi na USC que sua metodologia ficou famosa e conhecida simplesmente como Frank Daniel Methodology ou Frank Daniel Approach. Daniel desenvolveu uma teoria (segundo ele herdada pelos realizadores desde o cinema mudo) que utiliza a tecnologia de projeção inicial como referência para a criação de roteiros. Na época, os filmes eram projetados em película e cada película possuía diversos rolos de filme, exibidos sequencialmente. Cada rolo tinha entre 10-15 minutos de tempo de tela. A partir disso, Daniel propunha um formato de escrita parecido com o utilizado no primeiro cinema, em que se pensasse a escrita como sequências equivalentes a duração de um rolo.  A abordagem de sequência de Daniel divide o roteiro então em 8 sequências, cada uma delas pensada como um microfilme. Ele dividia sua estrutura geral em 3 atos, subdivido nas sequências. 

Segundo a lenda, a metodologia de Frank Daniel foi um segredo guardado a sete chaves entre seus alunos durante anos. Pense que estamos falando de um período paralelo ao lançamento de livros como o de Syd Field, por exemplo. Mesmo o Memorando de Vogler só viria a se popularizar no final daquela década. Por isso, naquele momento a estrutura dividida em 8 pontos e com uma clara definição de pontos de virada ao final de cada sequência parecia revolucionária. Como veremos, a estrutura encontra MUITAS similaridades com outras mais populares. Ao mesmo tempo é tão simples e aberta, que se aproxima muito mais de uma metodologia de trabalho do que de um paradigma.

 

Em 1996, Frank Daniel faleceu e vários de seus pupilos lançaram luz sobre a estrutura ( que deixou de ser tão secreta) e essa nova geração de alunos acabou popularizando o formato com livros e estudos que se inspiravam na teoria de Daniel.  Beth Serlin  se especializou na teoria de Daniel e tem palestras pelo mundo sobre o assunto, Cris Soth escreveu o livro MILLION DOLLAR SCREENWRITING: The Mini-Movie Method, mas com certeza o mais famoso é Paul Joseph Gulino. O livro de Gulino não está entre os mais famosos de roteiro, mas ganhou popularidade a ponto de hoje a estrutura ser associada ao título que deu a seu livro,  8 Sequence Approach e não mais como Frank Daniel Approach.

 

 

Frank Daniel e Robert Redford nos tempos de Sundance Institute .
Trecho inicial do capítulo XIX  do livro The Technique of the Photoplay de Epes Winthrop Sargent de 1913, onde ele descreve o formato de histórias que acompanham os rolos de película: "A demanda mais geral, entretanto, é por uma série de rolos com um mesmo assunto, com cada rolo terminando com um climax menor e o grande climax no final do último rolo." 

Isso porque os primeiros filmes do cinema eram curtos, com no máximo um rolo, mas o passar do tempo foi aumentando o interesse e a duração dos filmes, fazendo com que eles passassem a ter 2, 3, 4 rolos. E como no começo muitas salas não contavam com dois projetores, filmes maiores obrigavam uma pausa para a mudança de um rolo para outro. Ainda havia  a possibilidade de perda de rolos no transporte ou até porque os estúdios da época gostavam de poder escolher não exibir determinado rolo em algumas sessões. Portanto segundo Daniel, os roteiristas desse primeiro cinema se especializaram justamente  nessa escrita de sequências, o que também teria sido passado para a televisão (em uma estrutura menor) por conta dos intervalos comerciais. 

 

Mas como falamos acima, não foi apenas Gulino que escreveu sobre 8 Sequence Approach. Cris Soth também tem um livro explorando a estrutura, mas substitui o termo sequência pela expressão “mini-filme”.

 

"Esses discretos pedaços de história, cada um contido em um único rolo, todos se somando em uma história, passam a ser chamados de" mini-filmes ". Um filme de uma hora pode ser composto por quatro sequências de 15 minutos. Mas não vamos ser tão técnicos - para nossos propósitos, vamos nos referir a eles como "mini-filmes". Um filme completo de duas horas, seria composto por um total de oito mini-filmes de quinze minutos "

 - Cris Soth em MILLION DOLLAR SCREENWRITING: The Mini-Movie Method

 

Aqui, usaremos tanto o livro de Gulino quanto o Soth para pensar essa proposta de estrutura, assim como documentos de trabalho de Frank Daniel. Para unificar a terminologia iremos usar as nomenclaturas mais facéis e repetidas: sempre o termo sequência ( e não o mini-filme de Soth), mas iremos nos referir a ela em ordem numérica, como era a estrutura ensinada por Daniel e Soth ( e não em ordem alfabética como a proposta por Gulino).  Em todas as versões dessa estrutura as sequências são pensadas com um micro estrutura, a apresentação de um problema/conflito/objetivo, uma complicação que impede que a meta seja atingida imediatamente e uma resolução. Todos falam em sequências de aproximadamente 15 minutos, mas a verdade é que as sequências podem ter tamanhos distintos, mais curtos ou mais longos. No livro de Gulino, por exemplo, ele fala de uma sequência em A Primeira Noite de um Homem que se trata de uma única cena de nove minutos. 

E tem filmes que usam essa estrutura/paradigma?

Muitos filmes de ação se adequam a estrutura como Velocidade Máxima, Força Aérea Um, filmes de suspense como Se7en ou O Sexto Sentido e comédias como Borat, Missão Madrinha de Casamento e O que fazemos nas sombras. Filmes mais Character Driven ou mesmo fora dos padrões hollywoodianos também de adequam bem ao formato, justamente por sua flexibilidade, como A Primeira Noite de um Homem, Noites de Cabíria, Sideways, Quero ser John Malkovich, A Origem, etc.  A estrutura é muito dinâmica, não tem tantos 'beats" pré-definidos e pode ser utilizada em filmes de diversos gêneros e formatos, como veremos abaixo: 

1° ATO

Sequência 1

Estabele a rotina ou o “status quo” do protagonista,  a vida do personagem antes que o “problema” entre em sua vida e rompa sua vida.  Introduz o universo da ação tanto fisica, geograficamente e através das regras que regem o universo. Ao final dessa sequência existe o “Ponto de Ataque” ou o Incidente Incitante. 

Sequência 2

A segunda seqüência continua expandindo elementos anteriores: revela novas camadas do Protagonista, esclarece mais Regras do universo, introduz rivais e aliados, e levanta a pergunta dramática que irá nortear toda a história. Se você tem um Herói Relutante, esse é o momento em que ele entra em negação de seu conflito ou reluta em enfrentar o problema, já que possivelmente o problema se resolverá sozinho. Subplots costumam ser apresentados durante essa sequência. Aqui entra também o Lock In, a confirmação de que não há como fugir dessa jornada, afinal se o personagem pudesse dar de ombros e ir embora, sua história não seria tão dramática. Então o que o obriga a enfrentar essa história? O que está em jogo?

Sequência 3

A terceira sequência é onde as primeiras tentativas de resolver o problema se apresentam. O protagonista tenta resolver o problema ou alcançar seu objetivo  da forma mais simples ou fácil. Se existe uma resposta ou uma possibilidade simples para resolver o problema, ela deve ser tentada aqui e as portas precisam se fechar uma a uma, sem que o herói consiga uma solução.

2° ATO

O que é interessante desse ponto da estrutura é que as soluções iniciais tentadas devem ser lógicas, mas também precisam ser bem construídas de forma que não resolvam ou apresentem solução ao protagonista. Ao final dessa sequência descobrimos que essa trama não irá se resolver com as respostas fáceis e que o protagonista precisa adentrar mais a história/problema para resolvê-lo ou ainda que a solução trazida é só parcial e joga a personagem em um novo problema.

“Por que nosso herói não pode resolver seu problema através de um desses canais normais? Porque ele(a) é um pessoa extraordinária, o tipo de pessoa de quem se contam histórias. É necessário mais. Isso vai ser uma luta.

 

Então, por que esse mini-filme? Se as soluções não funcionam, por que experimentá-las? E acima de tudo, por que gastar seu valioso tempo de escrita dramatizando-as e milhões para filmá-las?

 

Bem, aumentará a tensão, não é? Mostrando-nos que este problema não vai desaparecer tão facilmente, remover esses caminhos de solução realmente nos fará sentar e prestar atenção, sim?

 

E há uma razão lógica. Essas primeiras medidas devem ser excluídas- nosso público irá exigir isso. Caso contrário, eles passarão o restante do filme questionando por que eles não foram tentados e mais tarde por que as medidas mais extremas foram usadas. Você já viu um filme e continuou perguntando a si mesmo ou a sua data: "Mas por que eles simplesmente não _________________".

 

Por que ela não liga para a polícia?

Por que ele simplesmente não lhe diz que a ama?

Por que ela não pode simplesmente deixar seu emprego?

Por que ele não pode apenas conseguir um emprego?

Por que eles não tentam apenas fazer um empréstimo?

Por que não pedir apenas a ajuda dos seus amigos?

Por que não simplesmente sair da casa mal assombrada?”

- Cris Soth em MILLION DOLLAR SCREENWRITING: The Mini-Movie Method

Sequência 4

Com todas as medidas comuns esgotadas, ficará evidente para o protagonista que passos mais fortes serão necessários para vencer. O obstáculo começa a crescer, exigindo mais trabalho, esforço ou treinamento do personagem. Tendo tentado todo lógico e sensato,  sem sucesso, agora é hora de medidas mais extremas e um plano é definido. O protagonista coloca seu plano em ação, mas ainda se frusta, ou por não conseguir executar seu plano ou por essa ação acarretar resultados inesperados que continuam a complicar a história. O plano quase sempre falha devido a certas informações vitais, que o protagonista não tem em relação a força ou a natureza das forças do antagonismo contra ele, aqui podem surgir novos personagens e antagonistas. Ao final dessa sequência a “Primeira Culminação”, resultando em um aumento dos riscos, que acaba virando a história em outra direção, ainda mais complexa. O MidPoint.

Sequência 5 

O protagonista tentou todas as possibilidades e ainda não alcançou o sucesso, ele precisa se reposicionar, reagrupar e definir novas estratégias. Ele confronta a necessidade de mudar, agora de olhos abertos a suas próprias fraquezas, o que o impede de vencer. Isso cria um respiro da meio da trama. Aqui é onde em geral, o protagonista e seu interesse amoroso se aproximam, dividem um momento de grande intimidade ( pode ser um momento atualmente emocional ou mesmo sexo).

“Eles vão fazer alguma coisa, talvez não declarem, podem nem mesmo estar conscientes disso, mas um plano está se formando de novo. E através deste mini-filme, veremos que eles se preparam para o plano, reunindo o que eles precisam, sejam materiais ou aliados ou apenas sua coragem, e colocando o plano em ação.  Sim, para aqueles de vocês com boas lembranças, isso pode parecer um pouco como o mini-filme quatro, onde vimos nosso herói fazer um plano para livrar-se desse problema. E esse plano sai horrivelmente errado. Mas com algumas diferenças importantes - desta vez, no final do mini filme seis, nosso herói COMPLETA sua mudança e o plano pode, de fato, exigir essa mudança para funcionar. O herói percebe algo - tem uma revelação  ou algo lhe é revelado - que vai salvar sua pele. Algo se tornará evidente para ele, algo que ele nunca tenha percebido antes ... e isso lhe proporcionará o caminho para triunfar sobre as forças do mal. " 

- Cris Soth em MILLION DOLLAR SCREENWRITING: The Mini-Movie Method

Sequência 6

O obstáculo mais alto, a última alternativa, o momento mais alto ou mais baixo e o fim de nossa tensão principal chegam a este ponto. O protagonista aplica o novo plano, agora pronto pra mudar. O plano em ação quase o destrói... mas então ele tem uma revelação.

3° ATO

 "Esse ato tem uma suave diferença na tensão dramática do que o Segundo Ato. No Segundo Ato- a questão pode ser: " Conseguiremos descobrir quem matou X ?". No final do Segundo Ato o detetive deve saber. A tensão do Terceiro Ato então seria: "Nós conseguiremos pegá-lo?" Em um filme de assalto  a pergunta pode ser:" Conseguiremos tirar o dinheiro do banco?" A tensão do Terceiro Ato então se torna: " Conseguiremos escapar com o dinheiro?" 

- Frank Daniel em memorando de sua Metodologia 

Sequência 7

A falsa resolução. Esse é o jeito que nos achamos que o filme vai acabar, antes que  uma reviravolta envie a história para seu final verdadeiro.

Sequência 8 

 

A resolução verdadeira que expande o tema e a moral da história. Um jogo entre o que mais tememos que possa acontecer e o melhor cenário possível que possa ocorrer.

" A beleza deste conceito é que uma pergunta de tensão pode e deve existir em todos os níveis de um roteiro, no nível da cena, na sequência, no ato e na história como um todo. Ao criar constantemente questões de tensão na  mente do público, o escritor está constantemente envolvendo-os na história e no futuro da história. O que vai acontecer? Isso os faz ficar em seu lugar para testemunhar o resultado. A questão de tensão também é um dispositivo estrutural, garantindo que em todos os níveis do roteiro exista conflito. Um personagem conseguirá o que eles querem em uma cena? Em uma sequência? Em um ato? Na história geral? Por exemplo, em Quanto mais Quente Melhor, uma tensão de cena é: "Conseguirá Joe sair da encrenca com a secretaria de seu agente? Uma tensão de sequência é: Joe e Jerry encontrarão um emprego? A tensão do ato principal é: os caras sobreviverão aos mafiosos disfarçados como meninas? A questão é respondida com sim ou não, a tensão é revivida, e uma nova questão de tensão toma seu lugar." 

 Beth Serlin

A estrutura como metodologia

Uma das coisas mais interessantes dessa estrutura é que ela pode ser utilizada meramente como metodologia. Assim, em vez pensar a história como um todo, do começo ao fim, é possível construir a historia em etapas, com pequenos segmentos que levam a história adiante. Em vez de se preocupar com as 90 ou 120 páginas que necessita escrever, o roteirista se preocupa com as 15 primeiras, e depois com as 15 próximas, e assim por diante. Cada segmento pode ser pensado tendo em vista a responder uma tensão drámatica ( ou uma pergunta drámatica) que se apresenta, se desenvolve e tem como resolução um gancho que faz a história continuar progredindo. O formato também é muito positivo para se pensar na escrita do 2º ATO. Ele não tem a mesma quantidade de beats que o paradigma de Blake Snider, por exemplo, e por isso mesmo consegue guiar a escrita sem deixá-la tão prevísel. Aqui, o segundo ato funciona como uma escada de quatro degraus que devem progredir logicamente em intensidade até resolver a tensão dramática do 1º e 2º Ato.

 

Nem todas as histórias podem funcionar com a estrutura, mas com bons pontos de virada que conectem bem as sequências e não façam-nas parecer episódios desconexos e colados, a estrutura pode ser utilizada nos mais diversos tipos de obras. 

Utilizá-lo ou Não, eis a questão?

Nós já falamos em outros textos aqui da Tertúlia, que cabe a cada profissional definir a eficiência da utilização de paradigmas ou não na sua escrita. Aqui, citamos alguns filmes que se enquadram na estrutura, mas a lista é infinita e variadíssima. Filmes bons, filmes ruins, filmes de sucesso, outros que foram um fracasso na bilheteria.

Para conhecer mais o Sequence Approach vale a pena ler os livros citados na introdução, que ainda contam com análises da estrutura em diversos filmes e estudar quais dos seus filmes favoritos se enquadram no formato e como o fazem. Bons estudos!! 

Trecho do texto de Frank Daniel que acompanhava sua apostila sobre o método: "A coisa importante a se lembrar é que o propósito de determinar sequências ou usar uma estrutura de sequências é ajudar você a dar forma a suas histórias. A audiência não liga como você chama uma sequência ou quantas você dz que tem. Tudo o que importa é ajudar você no ato de criação eficaz".
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